segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

#231 Pessoa


Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.

Vem sentar-te comigo, Lídia, à beira do rio.
Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
Que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
                (Enlacemos as mãos).
Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,
Vai para um mar muito longe, para ao pé do Fado,
                Mais longe que os deuses.
Desenlacemos as mãos, porque não vale a pena cansarmo-nos.
Quer gozemos, quer não gozemos, passamos como o rio.
Mais vale saber passar silenciosamente
                E sem desassossegos grandes.
Sem amores, nem ódios, nem paixões que levantam a voz,
Nem invejas que dão movimento demais aos olhos,
Nem cuidados, porque se os tivesse o rio sempre correria,
                E sempre iria ter ao mar.
Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e caricias,
Mas que mais vale estarmos sentados ao pé um do outro
                Ouvindo correr o rio e vendo-o.
Colhamos flores, pega tu nelas e deixa-as
No colo, e que o seu perfume suavize o momento —
Este momento em que sossegadamente não cremos em nada,
                Pagãos inocentes da decadência.
Ao menos, se for sombra antes, lembrar-te-ás de mim depois
Sem que a minha lembrança te arda ou te fira ou te mova,
Porque nunca enlaçamos as mãos, nem nos beijamos
                Nem fomos mais do que crianças.
E se antes do que eu levares o óbolo ao barqueiro sombrio,
Eu nada terei que sofrer ao lembrar-me de ti.
Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim — à beira-rio,
                Pagã triste e com flores no
regaço.

FERNANDO PESSOA

segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

#230 Dezembro suave


Na foto o gongo, de um dos vários centros de retiro de meditação vipassana, que escuto invariavelmente todos os dias, em pelo menos um retiro anual de dez dias.

O voto de silêncio, entre outros que subscrevemos nesse período, é interrompido muitas das vezes, apenas e só: por ele.

Depois, regressamos à vida "normal" (seja lá o que isso for) e escutamo-lo interiormente, vezes sem conta.

Não escrevia neste meu blogue desde 27 de Dezembro de 2016. Nas últimas letras, à época, inscrevi o meu pensamento intitulado "FIM".

Mas claro que não acabou e cerca de dois anos depois, cá volto hoje. Na realidade há sempre vários inícios. Vários recomeços. Várias mortes e vários renascimentos.

Este "loop contínuo" em que nos encontramos e cujos despertos tentam insistentemente romper em múltiplas situações do quotidiano, cansa. Fustiga-nos e gasta-nos as forças.

Mas também é ele: impermanente. Como tudo, TUDO mesmo, nesta vida.

O mês de Dezembro costumava ser bonito enquanto era criança. Era o mês das prendas, das ruas enfeitadas, de muitas pessoas a sorrirem. Por vezes era pontuado por uma tristeza aqui e ali. Falecia alguém próximo, ou estava doente. Mas no essencial era sempre invadido, ainda assim, por uma estranha alegria. Claro que os anos passaram.

Um dia abri os olhos. 


Vi os pobres nas ruas. A tristeza de algumas pessoas. O consumismo desmesurado. A hipocrisia vezes sem conta.  O Natal começou aí a ser diferente.  E diferente foi caindo, até ao dia 11 de Dezembro de 2007 em que o meu Pai morreu. 

E pensei que o Natal morria de vez.

Mas, das fraquezas fiz força. E procurei motivos para me reerguer, nomeadamente o nobre motivo de reerguer os outros, comigo. De resgatar do chão os que sofrem e mostrar-lhes, através do exemplo, que é possível sorrir mesmo depois de caírem lágrimas sem conta.

E assim o tenho feito, com as naturais dificuldades da vida. Porque nem sempre tudo corre como esperamos. Como imaginamos, como sonhamos! No jogo das expectativas, saem todos frustrados. Quem recebe e quem dá.

Mas pelo meio também acontecem coisas boas. E sai tudo melhor do que esperávamos! E é também esse o mistério da vida. A surpresa, o desafio, a ausência de regras, mesmo quando tudo parece previsível.

Este Dezembro tem sido triste em muitas coisas. 

Partidas inesperadas, dores antigas que regressam, solidões interiores imensas, constatações e epifanias que nos ensinam que "estar acordado não é um estado que se possa escolher". E invariavelmente sofremos, com ele.


Todavia, a vida continua a ter coisas boas. 


O aroma do café da manhã, o céu estrelado numa noite de luar. O sorriso de uma criança. Um abraço sentido. Um animal que nos pede festas. Um raio de sol que surge de surpresa. E tantas, tantas coisas mais.

Há instantes, visitava-me num dos meus gabinetes uma amiga que adora o Natal. Enquanto a escutava, observava a sua emoção com toda esta época e como me tentava passar a alegria que sentia. 

E sorri.

Sorri, porque Dezembro é isto. Mas também o é Janeiro e todos os meses do ano. Gente que sorri e gente que chora. Alegrias e tristezas... Ilusões e desilusões. Calor tórrido nuns corações, frio gélido noutros. 

A arte da vida, está em conseguirmos celebrar o milagre que é estarmos vivos, resgatarmos a felicidade que mora em nós (muitas das vezes escondida em camadas de dor aparente) e depois disso: PARTILHÁ-LA.

Porque só assim a vida faz sentido.

Melhor que receber? Só mesmo:



D A R !





Signifiquemos o Natal: que o AMOR more nos vossos corações.